Por Renato Ferreira de Moraes
Alguém mais se identifica? Desde que iniciou o mestrado, em 2018, o doutorando Francisco das Chagas Sales Júnior viu sua caixa de e-mails ser invadida por mensagens de revistas ou editoras das quais sequer ouvira falar ou nas quais jamais se cadastrou. Além da cobrança pela publicação e da insistência, a estratégia dessas editoras, chamadas informalmente de predatórias, é mais ou menos uniforme. “Muitas vezes até em cima de um artigo que já foi publicado há muito tempo”, lembra.
Em muitas dessas ofertas, ele conta sequer ter visto um conselho editorial para avaliar a publicação prometida. Afora jamais ter aceitado ofertas do tipo, pois fez seu próprio planejamento em relação a publicações, a estratégia agora é ir marcando os remetentes e direcionando as mensagens para a caixa de spam. “Quando a gente quer publicar a gente vai atrás, a gente busca uma (publicação) que tem um qualis no nível que a gente considera bom para aquele trabalho”, diz Sales Júnior.
Mas quais são os reflexos da atuação desse tipo de editora/revista para o campo científico? Como deveriam ser avaliadas? E que devem fazer pesquisadores que precisam comprovar publicação para efeitos de titulação? Segundo Thaiane Moreira de Oliveira, professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do tema, há correntes que entendem que revistas predatórias são reflexos do produtivismo entranhado na academia, fruto de uma lógica neoliberal, no qual o pesquisador é estimulado, num cenário de competição, a publicar cada vez mais.
“Esta é uma visão que, em sua forma geral, está certa. Mas não podemos desconsiderar que o processo de publicação dos achados de pesquisa é fundamental para o desenvolvimento das sociedades e que a relação entre academia e, inevitavelmente, competição e inovação, fazem parte do ecossistema científico há muitas décadas. O fato é que o capitalismo é astuto o suficiente para perceber uma lacuna e transformar em oportunidade de lucro”, completa Oliveira, fundadora da rede Latmetrics, que reúne mais de 200 pesquisadores da América Latina para discutir e desenvolver métricas e indicadores alternativos para avaliação da ciência.
Para ela, é imperativo que se um pesquisador recebe investimento – público ou não – apresente seus resultados à sociedade. Mas um sistema de avaliação por pares requer tempo, cuidado, exige qualidade e reconhecimento da relevância das pesquisas submetidas a um periódico, um processo que pode levar de 4 meses a um ano, pondera.“O que essas revistas fazem é oferecer uma avaliação mais célere – e consequentemente e possivelmente com menos qualidade e menos rigor científico. Um desserviço para a área do pesquisador e para a ciência de uma forma em geral, pois publica-se muito com baixa qualidade e sem nenhuma contribuição para o campo de estudos específico do qual o próprio pesquisador faz parte”, afirma Oliveira.
A cobrança por publicação aponta para outra questão. Alguns periódicos internacionais, sérios, qualificados, também cobram altas taxas de processamento de artigos (APC), o que faz com que pesquisadores latino-americanos concentrem suas publicações em revistas domésticas. “Com APCs que chegam a milhares de dólares e sem o apoio estatal para bancar estas publicações, restam a esses pesquisadores do Sul publicarem internacionalmente em revistas fechadas (ou híbridas optando por modelo fechado que não se cobra taxa) ou buscando as poucas revistas internacionais de acesso aberto diamante, que não cobram APC. Estas revistas sérias podem ser chamadas de predadoras do ecossistema científico global, por terem em sua natureza um caráter que reforça assimetrias”, explica Oliveira.
Já as predatórias, de acordo com a pesquisadora, são caracterizadas mesmo é pela baixa qualidade editorial. “Geralmente operam em um sistema de revisão por pares deficiente e ineficiente, onde os artigos submetidos não são devidamente revisados por especialistas na área. Em suas práticas destacam-se o costume de aceitar qualquer artigo submetido, independentemente da qualidade ou validade científica, em troca de taxas de publicação, independente de serem elevadas ou não”.
O joio e o trigo
Oliveira avalia que as consequências de publicação em revistas predatórias podem ser mais severas a longo prazo, sobretudo na relação entre academia e sociedade, pois trata-se de um modelo que contribui para a descredibilização não apenas dos pesquisadores que buscam estes espaços (seja por oportunidade ou por desconhecimento), como também para a descredibilização da ciência a longo prazo.“Já ouvimos, nestes últimos seis anos, frases de lideranças políticas dizendo justamente que a pesquisa no Brasil, por exemplo, não tem impacto e por isso não justifica o investimento. Obviamente, isso não é consequência direta das revistas predatórias, mas os valores e indicadores com base em revistas de qualidade e revistas predatórias são contabilizados para justificar esse argumento de desinvestimento em CT&I no país”, contextualiza Oliveira.
E o que fazer em relação ao futuro? Segundo a pesquisadora, as comissões editoriais devem desenvolver mecanismos de avaliação e identificação de revistas predatórias nas próximas avaliações. “Avaliar um periódico não é uma maneira muito fácil e identificar uma revista predatória não é fácil. Nenhuma revista coloca uma tarja – dentre as centenas – ou até mesmo milhares – de revistas que as comissões devem avaliar, indicando que são predatórias, não é mesmo? Em geral, há alguns indícios, mas não indicativos claros que facilitem a identificação imediata”, opina.
“Se discussões como essa fossem endereçadas antes da avaliação do meio termo e da quadrienal, poderíamos desenvolver mais rigor para garantir que revistas de caráter predatório não sejam avaliadas dentro de estratificações altas e quem sabe um dia teremos competência adequada para identificação de uma maneira mais consensuada que nos permita classificá-las onde devam estar: fora do nosso sistema de reconhecimento da qualidade e do impacto de uma revista científica”, diz Oliveira.
Segundo ela, a palavra de ordem para os novos pesquisadores é mesmo planejamento. “Caso seja uma exigência do curso, o aluno deve se atentar às regras do programa e se planejar para publicar em uma revista reconhecida, seja ela nacional ou internacional. Sobretudo para o aluno que está começando a carreira, isso é muito importante, pois será o começo da base de um reconhecimento que ele pretende construir ao longo de sua trajetória”, conclui.